sexta-feira, 25 de junho de 2010

Liberdade de Expressão X Liberdade de imprensa - a importância de conhecer os conceitos para não ser manupulado

Liberdade de Expressão X Liberdade de imprensa

Por Redação [Quinta-Feira, 24 de Junho de 2010 às 18:05hs]

No último dia 21 de junho foi lançado, na sede do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, o livro Liberdade de Expressão x Liberdade de Imprensa, de Venício A. de Lima. Além do autor, o debate contou com a presença de Luis Nassif, Paulo Henrique Amorim, Fábio Konder Comparato, Renato Rovai e Mino Carta.

 Veja no blog do Blog do Tsavkko os vídeos do evento e confira abaixo entrevista do autor a Renato Rovai, para a edição nº 87 da revista Fórum, nas bancas.

 Em tese, estabelecer as diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa não seria uma tarefa das mais difíceis. No entanto, interesses econômicos de grandes grupos midiáticos conduzem o debate de forma deliberada para a confusão entre os dois termos, tidos como sinônimos quando não o são. Esse tema e todas suas implicações norteiam o livro lançado por Venício A. de Lima, Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia (Publisher Brasil). Na entrevista a seguir, o autor conversa sobre a obra e também fala sobre o desafio da democratização da comunicação no Brasil.
http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/NoticiasIntegra.asp?id_artigo=8439 






Liberdade de expressão e de imprensa: Um manifesto


A liberdade de imprensa inclui, como componente essencial e inalienável, a liberdade de exibir, ridicularizar, parodiar e pastichar as gafes, mentiras, barrigas e distorções veiculadas pela própria imprensa. Hoje, no Brasil, nove de cada dez gritinhos histéricos dos patrões e funcionários da grande mídia sobre um suposto cerceamento de sua liberdade de imprensa referem-se única e exclusivamente ao exercício dessa mesma liberdade. O artigo é de Idelber Avelar.

Idelber Avelar
Data: 06/06/2010


1. A irrestrita liberdade de imprensa de que se goza hoje no Brasil deve ser defendida por todos os brasileiros, independente de sua posição política.  (...)

2. Não há democracia em que a ausência de censura prévia sobre o dizer se confunda com a ausência da possibilidade de responsabilização (inclusive penal) posterior ao dito.  (...)

3. A liberdade de imprensa não está realizada em todo o seu potencial se apenas meia dúzia de famílias dela usufruem de forma massiva.   (...)

4. Não há liberdade plena de imprensa sem direito de resposta, o direito de expressão mais desrespeitado, historicamente, no Brasil. (...)

5. A veiculação de sentença penal condenatória acerca de crime contra a honra cometido pelos grupos de mídia é um direito do público leitor/espectador/ouvinte.  (...)

6. A discussão democrática sobre a renovação (ou não) das concessões públicas a rádios e TVs não é contraditória com a liberdade de imprensa; pelo contrário, é parte de seu pleno exercício.  Há uma razão pela qual a liberdade de que se imprima qualquer coisa é juridicamente distinta da autorização a que se transmita TV ou rádio em sinal emprestado pelo poder público.
(...)  

7. A liberdade de imprensa inclui, como componente essencial e inalienável, a liberdade de exibir, ridicularizar, parodiar e pastichar as gafes, mentiras, barrigas e distorções veiculadas pela própria imprensa.  (...)

Detalhes dos tópicos (...) em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16670



Comunidades digitais e racionalismo crítico - Um debate sobre a possibilidade do uso da tecnologia para o resgate do espaço público e para a desmistificação da manipulação ideológica da realidade.


Um debate sobre a possibilidade do uso da tecnologia para o resgate do espaço público e para a desmistificação da manipulação ideológica da realidade.

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentado-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi[m] negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais serviria, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!

(Camões, Soneto 88) [1]

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence.

(Bertold Brecht)

(...)

Ao apreender ideologicamente a realidade, o pensamento liberal altera o desenvolvimento das relações de poder. Do mesmo modo que as “distinções enfáticas [da indústria cultural]... não são fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los” [13], as opções políticas enquadram-se em categorias esvaziadas de significado, apenas conservado sua distinção para efeitos de marketing. O poder em um mundo globalizado e transformado pela tecnologia da informação é diluído em um novo espaço de fluxos [14], levando a economia a um novo embate com a política [15]. Temos um aparato de dominação no qual as formas conhecidas de soberania e os “países são disciplinados por uma multidão eletrônica de investidores que controlam o acesso ao capital numa economia globalizada” [16].

Com a realidade apreendida ideologicamente, a adoção de políticas baseadas nas teorias econômicas desenvolvidas em centros acadêmicos [17] dos países de capitalismo avançado - e gerenciadas pelos organismos de crédito multilaterais – dá-se de forma quase automática por governantes oriundos de cores ideológicas das mais diversas. “Muitos movimentos de cidadãos vêm tentando reverter as tendências econômicas conservadoras na última década elegendo governos liberais, trabalhistas ou social-democratas, somente para descobrir que a política econômica continua inalterada ou serve ainda mais diretamente aos caprichos das corporações globais” [18]. Quando após não sete, mas décadas de serviços prestados ao capitalismo, Jacó finalmente tem Raquel nos braços, ela se revela mais uma vez – talvez, agora, definitivamente - Lia. O resultado é a globalização de uma prática intensificada no Brasil nos últimos anos:

Uma regra que sempre vigorou [...] é a de que só os detentores de riqueza, empresarial ou pessoal, têm reconhecido o direito de defender os seus interesses (ainda que ilegítimos, em inúmeros casos). Aos assalariados, ao funcionalismo público, aos aposentados da vida árdua, aos detentores de sentimentos nacionais e a tantos e tantos, a defesa dos seus interesses foi sempre negada com a intransponível barreira das desqualificações conceituais [...] Assim o Brasil se tornou um país sem debate. E, portanto, sem idéias, porque o espaço das idéias em confronto foi entregue, cada vez mais, ao empobrecimento de todas as manifestações da inteligência, da criatividade e da cultura. [19]


(...)


[a indústria cultural] impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. Mas estes constituem, contudo, a condição prévia de uma sociedade democrática, que não se poderia salvaguardar e desabrochar senão através de homens não tutelados. Se as massas são injustamente difamadas do alto como tais, é também a própria indústria cultural que as transforma nas massas que ela depois despreza e impede de atingir a emancipação para a qual os próprios homens estariam tão maduros quanto as forças produtiva da época o permitiriam. [26]

(...)

Com a homogeneização do pensamento, qualquer tentativa da mídia em resgatar alguns de seus princípios e fugir do “consenso do senso comum” é logo sufocada por uma opinião conservadora majoritária, que considera “esses princípios como se eles derivassem do Manifesto Comunista” [33]. O resultado é um controle midiático que direciona e formata a realidade, como pudemos observar na recente invasão do Iraque pelos Estados Unidos. Um levantamento feito entre 30 de janeiro e 12 de fevereiro de 2003 pela Fairness & Accuracy in Reporting mostra que das 393 fontes utilizadas pelas redes de televisão (ABC, CBS, NBC e PBS) nesse período, 75% era composta de militares ou ex-militares dos EUA e menos de 0,5% era afiliada a movimentos antiguerra (o número total de fontes céticas à pertinência da guerra foi de 6%) [34]. Como nunca, “[...] o nível de informação política e os conselhos que surgem das manifestações da indústria cultural são simples futilidades, ou ainda pior; os padrões de comportamento são desavergonhadamente conformistas” [35].

(...)

Este aparato altera de códigos historicamente estabelecidos na tentativa de proteger os lucros da indústria cultural [36] e o poder de determinar quando, onde e o que será culturalmente consumido. Totalizam-se as relações sociais não mais em uma estrutura política ou estatal [37], mas corporativa: novos mecanismos de proteção ao direito autoral [38] ameaçam subordinarem os direitos da sociedade como um todo aos direitos econômicos das grandes corporações. Esta ampliação da propriedade intelectual já gera danos na estrutura democrática. Na Espanha, a Lei de Serviços Sociais de Informação e Comércio Eletrônico “determina que os sites têm que se registrar junto ao governo e os ISPs [39] são obrigados a monitorar o conteúdo dos sites de seus clientes, vetando e denunciando qualquer conteúdo julgado ilícito” [40]. Segundo a Universidade de Harvard, o site de buscas Googleremove, em seus sistemas locais de busca na França e na Alemanha, centenas de sites que podem ser considerados ilegais nestes dois países [41]. Nos Estados Unidos, Emmanuel Goldstein publicou em seu site o código do programa DeCSS, que dá aos usuários de DVD o direito de usufruir sua cópia adquirida legalmente da maneira que lhe aprouver, e foi processado por violar o direito autoral dos produtores de filmes. Como os códigos de computador são uma linguagem tal qual a literatura [42], impedir a publicação do DeCSS é ferir a Primeira Emenda da Constituição norte-americana, que defende a liberdade de expressão [43]. Também nos Estados Unidos, a empresa de telecomunicações Verizon Communications resiste “a ser usada como ferramenta policial em defesa dos direitos autorais da indústria fonográfica” [44].

Tudo isso acontece porque as grandes corporações da indústria cultural pensam o direito autoral “como uma ferramenta através da qual os proprietários do copyright extraem todo o potencial valor comercial de suas obras, ainda que isso signifique que os usos tradicionalmente considerados legais estejam agora sob o controle do proprietário do copyright” [45]. O resgate das práticas totalitárias pode parecer algo distante e fora de propósito, mas lembremos que “a verdadeira dominação social provém do fato de os códigos culturais estarem embutidos na estrutura social de tal forma que a posse desses códigos abre o acesso à estrutura do poder sem que a elite precise conspirar para impedir o acesso a suas redes” [46]. Ou seja, o controle do acesso à informação é determinante para constituição social do mundo globalizado. Após apossar-se deste controle, as grandes corporações tentam então alterar os demais códigos que regem a vida em sociedade fortalecendo e legitimando este novo poder.

Ao modificar-se a estrutura jurídica a fim de que os direitos patrimoniais das empresas de mídia sejam assegurados em uma nova era da reprodutibilidade em rede, o próprio conceito de democracia é atingido. E a resposta liberal (ao menos dos que têm no liberalismo um ideal de desenvolvimento humano) para o fantasma do totalitarismo é um retorno aos ideais de Adam Smith e Ricardo. A exclusão social e a falência do sistema democrático seriam resolvidas com o combate à corrupção do capitalismo pelos seus maiores inimigos, justamente os que “se consideram os seus maiores advogados: os executivos, os donos das companhias e os políticos que insistentemente se declaram pró-negócios” [47].

Este lamento não nos parece hoje mais eficiente do que foi o alerta de Isócrates no século IV a.C. À dissolução do estado ateniense e à forma degenerada de política da época em que escreve, ele contrapunha a constituição dos antepassados: “os homens eram diferentes nos tempos de Sólon ou de Clístenes; portanto o único meio de livrá-los do seu individualismo exagerado é restaurar a constituição do Estado que vigorava naquele século” [48]. Jaeger comenta que Isócrates também “estava absolutamente convencido de que não era nos programas educacionais de diversos reformadores, mas nas circunstâncias totais da época, que se devia procurar os fatoresverdadeiramente culturais. [...] Mas é característico da época o fato de a paidéia em sentido positivo só ser possível na forma de reação consciente dos indivíduos isolados contra as tendências gerais da evolução” [49].

Acreditamos que este despertar da consciência individual ainda é o melhor meio para combater o individualismo competitivo que afeta a constituição tanto da polis quanto do moderno Estado-nação. O paradoxo hoje é resolvido pelas novas tecnologias da informação, pois o indivíduo não está mais isolado em sua racionalidade crítica, mas integrado através de comunidades eletrônicas, evitando que o seu individualismo se transforme em um agir egoísta. Em contraposição à subordinação da sociedade aos códigos das grandes corporações, temos as comunidades virtuais geradas espontaneamente na última década. Mesmo quando criadas com as perspectivas de monetarização, elas interagem continuamente, impossibilitando o seu controle: são um novo fluxo dentro do espaço de fluxos.

Vislumbramos potencialmente nestas novas comunidades o tesouro perdido que Arendt diz que a humanidade encontra e perde nas grandes revoluções. Uma reencarnação da tradição que procura nomear e preservar o que foi conquistado e perdido na Resistência ao fascismo, nas Revoluções Francesa e Americana, no outono de 1956 em Budapeste:

E, todavia, se voltarmos as vistas para o princípio desta era, e sobretudo para as décadas que a precedem, poderemos descobrir, para nossa surpresa, que o século XVIII, em ambos os lados do Atlântico, possuiu um nome para este tesouro, desde então esquecido e perdido – quase o diríamos – antes mesmo que o próprio tesouro desaparecesse. O nome, na América, foi “felicidade pública”, que com suas conotações de “virtude” e “glória” entendemos tão pouco como a sua contrapartida francesa, “liberdade pública”: a dificuldade para nós está em que, em ambos os casos, a ênfase recaía sobre “público”. [50]

O novo Bem Público, tornando real nas comunidades virtuais geradas em torno dos mais diversos interesses, forma-se espontaneamente nos mesmos fluxos informacionais que possibilitam a integração mundial do aparato econômico-cultural de dominação. Só que a estrutura descentralizada das novas redes computacionais favorece também a autodeterminação das comunidades cibernéticas e a diversidade cultural, social e política: “embora muitos tenham observado que os recentes protestos de massa teriam sido impossíveis sem a internet, o que foi esquecido é como a tecnologia da comunicação que facilita essas campanhas está moldando o movimento à sua própria imagem [...] o consenso forçado e manifestos elaborados desaparecem ao fundo, substituídos por uma cultura de troca de informações constante, frouxamente estruturada e às vezes compulsiva” [51]. É um espaço que inicialmente resiste a ser “formatado” pelas necessidades das empresas multinacionais e pelo capital financeiro.

(...)

[...] mudaria o modo de produzir a informação e assim o de intervenção política [...], [haveria contra os grandes dinossauros da comunicação de massa] o mesmo movimento de desconfiança que a maioria da população italiana desenvolveu em relação aos jornais e rádios controlados pelo regime fascista. [...] Ao novo totalitarismo não se opõe indo para as montanhas, mas conectando-se online. [53]

Nesta resistência às novas formas de totalitarismo é imprescindível que a mediação entre a realidade e o indivíduo não esteja sob controles ideológicos que barrem a racionalidade crítica. Se restrições legais impedem o indivíduo de usar as informações disponíveis para recriar a cultura e a ciência, o saber coletivo serve apenas à lógica do lucro. Se o indivíduo tem acesso negado a determinadas informações (como o código-fonte de sistemas operacionais), o conhecimento acumulado não serve mais para o progresso da humanidade. Se a informação é mediada por uma indústria cultural monopolizada, o controle das massas é legitimado pela alteração ideológica da realidade. O direito autoral representa hoje, nesta nossa perspectiva, o mesmo que a propriedade dos meios de produção para o capitalismo de meados do século XIX. Foi com a consolidação do saber coletivo resultante de uma outra revolução informacional que permitiu à ação revolucionária liberal colocar um “fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas” [54]. Agora, com as técnicas de reprodução digitais, este Bem Público compartilhado poderá intensificar a comunicação e o conhecimento humano e iniciar uma nova etapa de desenvolvimento social.

Em períodos de grandes transformações políticas, econômicas, tecnológicas e sociais, é preciso estar atento a todos os perigos para que as oportunidades não se transformem em armadilhas. Mas também não podemos subestimar o alcance destas oportunidades. Evidentemente que as tecnologias informacionais não geram per si uma quebra do aparato de dominação, podendo mesmo acentuá-lo conforme o uso que é feito delas. Para que se estruture um sistema de comunicação que devolva ao indivíduo a sua condição de sujeito é necessário que a informação deixe de ser objeto de consumo e se transforme em ponto de partida para a observação crítica da realidade. É preciso desmistificar a cultura do consumo, trocando a eficiência técnica padronizada pela produção individualizada sem que se reproduz sem obedecer a tendências hegemônicas. Ao descentralizarem a distribuição da informação, as novas tecnologias dão ao indivíduo acesso aos instrumentos (não mais mecânicos, mas digitais) de reprodução, mas, acima de tudo, é condição necessária (embora não suficiente) que a informação seja livre.

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