quarta-feira, 12 de maio de 2010

Campbell: O Poder do Mito => Lucas: Star Wars. As Máscaras de Deus

O Poder Do Mito 
(Joseph Campbell e Bill Moyers)
OS MITOS EM NÓS 

O Poder do Mito, de Joseph Campbell, tradução de Carlos Felipe Moisés, 242 páginas, Associação Palas Athena São Paulo. Em DVD da TV Cultura, Canal 2, 2006 São Paulo 

Sérgio Vallverde

O antropólogo Joseph Campbell realizou um estudo detalhado sobre a presença da mitologia no universo humano e chegou a interessantes conclusões: Todas as narrativas, conscientes ou não, surgem de antigos padrões do mito e todas as histórias podem ser traduzidas e dissecadas na Jornada do Herói. Em seus estudos sobre mitos mundiais, ele descobriu que todos eles são a mesma história, porém contadas com inúmeras variações e adaptadas à realidade de quem a conta. Seus detalhes são diferentes em cada cultura, mas, fundamentalmente, são sempre iguais. Ainda declara Campbell, “... toda cultura antiga e pré-moderna utilizava uma técnica ritmada para contar histórias retratando os protagonistas e antagonistas com certas motivações e traços de personalidade constantes, num padrão que transcende as fronteiras da língua e da cultura”.

Pela grande influência das culturas do entretenimento e do consumo, junto com os avanços científico e tecnológico da raça humana, os mitos tiveram sua importância significativamente reduzida, uma vez que a cultura moderna colocou sua fé na ciência e na religião. Conseqüentemente, por vários séculos o surgimento de novos mitos foi praticamente nulo. Porém, com a remodelagem do cinema em produções ricas e com grandes efeitos visuais, os mitos novamente ganharam seu espaço, agora não contados de pai para filho como acontecia antigamente, mas através de meios audiovisuais, e difundidos ao redor do mundo. 

No final dos anos 70, um jovem cineasta americano, admirador de Joseph Campbell, resolveu criar uma nova mitologia, que pertencesse ao mundo em que vive e, com elementos do seu tempo. Esse cineasta chamava-se George Lucas, conhecido hoje por inúmeros filmes de sucesso, mas, principalmente, pela concepção da trilogia de Guerra nas Estrelas (Star Wars), que apresenta elementos estudados e escritos por Campbell, em sua obra O Herói de Mil Faces. Então, qual a razão do grande sucesso de bilheteria causado pelo filme na época em que foi lançado? A razão foi a composição da história e dos personagens da história, repletos de simbologia e ligações com aspectos psicológicos. Temos a presença do herói, que Campbell cita em sua obra, seguindo sua jornada, no início do filme na etapa denominada Chamado à Aventura e termina na Ressurreição e na volta com o Elixir, etapas são detalhadas no livro.

“O Poder do Mito”, de Joseph Campbell
Entrevista com Bill Moyers


Trechos selecionados

Por que mitos? Por que nos importarmos com eles? O que eles têm a ver com nossas vidas?

Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas práticos do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você era estimulado a ter em se dedicar à vida interior, no aprender. E onde não se misturava com a magnífica herança humana que recebemos de Platão, o Buda, Goethe e outros, que falam de valores eternos e que dão o real sentido à vida.

As literaturas - grega e latina - e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido suprimidas, em prol de uma educação concorde com uma sociedade industrial, onde o máximo que se exige é a disciplina para um mercado de trabalho mecanicista, toda uma tradição de informação mitológica do ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam na mente das pessoas, dando certa perspectiva naquilo que acontecia em suas vidas. Com a perda disso, por causa dos valores pragmáticos de nossa sociedade industrial, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada para por no lugar. Essas informações, provenientes de tempos antigos, têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana. Construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos, e têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares de nossa travessia pela vida, e se você não souber o que dizem os sinais deixados por outros ao longo do caminho, terá de produzi-los por conta própria.

Quer dizer que contamos histórias para tentar entrar em contato com o mundo, para nos adaptarmos à realidade?

Sim. Por exemplo, grandes romances podem ser excepcionalmente instrutivos, porque a única maneira de você descrever verdadeiramente o ser humano é através de suas imperfeições. O ser humano perfeito é desinteressante. As imperfeições da vida, por serem nossas, é que são apreciáveis. E, quando lança o dardo de sua palavra verdadeira, o escritor fere. Mas o faz com amor. É o que Thomas Mann chamava "ironia erótica", o amor por aquilo que você está matando com a sua palavra cruel. Aquilo que é humano é que é adorável. É por essa razão que algumas pessoas
têm dificuldade de amar a Deus; nele não há imperfeição alguma. Você pode sentir reverência, respeito e temor, mas isso não é amor. É o Cristo na cruz, pedindo ao Pai que afaste seu cálice de sofrimento, e que chora por Lázaro morto, que desperta nosso amor.

Aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Eles são histórias de nossa vida, de nossa busca da verdade, da busca do sentido de estarmos vivos. Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, daquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente. O mito é o relato da experiência de vida. A mente racional, analítica, o lado esquerdo do cérebro se ocupa do sentido, da razão das coisas.

Qual é o sentido de uma flor? Dizem que um dia perguntaram isso ao Buda, e ele simplesmente colheu uma flor e a deu ao seu interlocutor. Apenas um homem compreendera o que Buda queria demonstrar. Racionalmente, não fazia sentido esse gesto. Ora, mas podemos fazer a mesma pergunta para algo maior: qual é o sentido do universo? Ou qual o sentido de uma pulga? A única resposta realmente válida está exatamente ali, no existir. Qualquer formulação racional nos dá uma idéia linear da coisa, mas mata a beleza da coisa em si. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de outro valor, linear e longe da vibração da vida, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta. É por isso que as grandes questões filosóficas, embora sejam de fundamental importância para todos, acabam sendo a preocupação de apenas uma ínfima minoria da população. Eles esqueceram de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta, e preferem se acomodar aos papeis de uma vida burguesa e adaptada ao sistema capitalista, deixando que outros, atualmente os políticos e os cientistas, tomem as decisões mais complexas por eles. Mas todos já foram crianças curiosas, não foram? A curiosidade infantil é a mesma curiosidade do filósofo. Cristo está certo quando fala que só "quem se faz como um destes pequeninos entrará no Reino dos céus".

Bom, e como podemos resgatar um pouco de nosso grande potencial humano? Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro. Busque-os e você começa a entender as suas mensagens. Leia mitos de outros povos, pois lendo mitos alheios você começara a perceber que alguns enredos são universais. Por exemplo, a lenda do Graal. A busca dos cavaleiros do Rei Arthur pelo Graal representa o caminho espiritual que devemos fazer e que se estende entre pares de opostos, entre o perigo e a bem-aventurança, entre o bem e o mal, pois não há nada de importante na vida que não exija sacrifícios e algum perigo.

O tema da história do Graal diz que a terra está devastada, e só quando o Graal for reencontrado poderá haver a cura da terra. E o que caracteriza a terra devastada? É a terra em que todos vivem uma vida inautêntica, fazendo o que os outros fazem, fazendo o que são mandados fazer, desprovidos de coragem para uma vida própria. Esquecem-se que são seres únicos, cada indivíduo sendo uma pessoa diferente das demais. A beleza de uma terra rica está exatamente na convivência dos diferentes, não na mistura deles. Se temos um lugar ou uma era em que todos se alienam e fazem a mesma coisa, temos a terra devastada: "Em toda a minha vida nunca fiz o que queria, sempre fiz o que me mandaram fazer". O Graal se torna aquilo que é logrado e  conscientizado por pessoas que viveram suas próprias vidas. O Graal representa (simboliza) o receptáculo das realizações das mais altas potencialidades da consciência humana.

O rei que inicialmente cuidava do Graal, por exemplo, era um jovem adorável, mas que, por ainda ser muito jovem e cheio de anseios de vida, acabou por tomar atitudes que não se coadunavam com a posição de rei do Graal. Ele partiu do castelo com o grito de guerra "Amor!", o que é próprio da juventude, mas que não se coaduna com a condição de ser rei do Graal. Ele parte do castelo e, quando cavalgava, um muçulmano, um não cristão, surgiu da floresta (a floresta representando o nível desconhecido do nosso psiquismo). Ambos erguem as lanças e se atiram um contra o outro. A lança do rei Graal mata o pagão, mas a lança do pagão castra o rei Graal.

O que isto quer dizer é que a separação que os padres da igreja fizeram entre matéria e espírito (já que Jesus sempre se referia ao Reino como um campo em que um semeador saiu a semear, ou uma rede atirada ao mar, ou a uma festa de núpcias, ou sobre as aves do céu e os lírios do campo, está claro que esta divisão pré-cartesiana foi fruto da mentalidade patriarcal dos pais da igreja, não do Cristo), entre dinamismo da vida e o reino do espírito, entre a graça natural e a graça sobrenatural, na verdade castrou a natureza. E a mente européia, a vida européia, tem sido emasculada por essa separação. A verdadeira espiritualidade, que resultaria da união entre matéria e espírito, tal como era praticada pelos Druidas, foi morta. O que representava, então, o pagão?

Era alguém dos subúrbios do Éden. Era um homem que veio da floresta, ou seja, da natureza mais densa, e na ponta de sua lança estava escrita a palavra "Graal". Isso quer dizer que a natureza aspira ao Graal. A vida espiritual é o buquê, o perfume, o florescimento e a plenitude da vida humana, e não uma virtude sobrenatural imposta a ela. Desse modo, os impulsos da natureza são sagrados e dão autenticidade à vida. Esse é o sentido do Graal: Natureza e espírito anseiam por se encontrar uma ou outro, numa atitude holística. E o Graal, procurado nestas lendas românticas, é a reunião do que tinha sido divido, o seu encontro simboliza a paz que advém da união.

O Graal que é encontrado se tornou o símbolo de uma vida autêntica, vivida de acordo com sua própria volição, de acordo com o seu próprio sistema de impulsos, vida que se move entre os pares de opostos, o bem e o mal, a luz e as trevas. Uma das versões da lenda do Graal começa citando um breve poema: "Todo ato traz bons e maus resultados". Todo ato na vida desencadeia pares de opostos em seus resultados. O melhor que temos há fazer é pender em direção da luz, na direção da harmonia entre estes pares, e que resulta da compaixão pelo sofrimento, que resulta de compreender o outro. É disso que trata o Graal. É isso o que Buda quis dizer por tomar o caminho do meio. É isso o que significa estar crucificado entre o bom e o mal ladrão e ainda orar ao Pai...

Histórias ou contos de fadas são histórias com motivos mitológicos desenhadas especialmente para as crianças. Elas freqüentemente falam de uma menininha no limiar da passagem da  infância para a descoberta da sexualidade. É por isso que chapeuzinho vermelho veste uma capa vermelha. Algo nela exige, sem que ela queira, que ela faça o percurso pelo meio da floresta (nosso lar de origem, onde se esconde nossos instintos), até chegar à casa da vovó (a cultura tradicional que devemos respeitar). Chapeuzinho está em fase de transição. A capa vermelha lembra o sangue da menstruação. A jovem é algo muito atraente para o Lobo. Ainda hoje dizemos que um homem apaixonado e desejoso por uma mulher é um lobo. E ela não pode evitar de conversar com o Lobo no meio da caminho. O Lobo a atrai também. Na história original, chapeuzinho se transforma numa loba, ela sabe que a velha cultura repressora deve ser morta para que ela possa sentir o que deseja. Ela entende o sofrimento do lobo.

Uma outra história semelhante é a da Bela Adormecida. Ao completar dezesseis anos, a princesa parece hesitar diante da crise da passagem da infância à idade adulta e se sente atraída a furar o dedo na roca que a fará adormecer. Enquanto dorme, o príncipe ultrapassa todas as barreiras que ela, sem querer, levantou contra a sua maturação e vem oferecer a ela uma boa razão para aceitar crescer. O beijo mostra que crescer, ao final de contas, tem seu lado agradável. Todas aquelas histórias coletadas pelos irmãos Grimm representam a menininha paralisada. Todas aquelas matanças de dragões e travessias de limiares têm a ver com a ultrapassagem da paralisação, com a superação dos demônios internos. Os rituais das "primitivas" cerimônias de iniciação têm sempre uma base mitológica e se relacionam ou à eliminação do ego infantil quando vem à tona o adulto, ou visa à por a prova o iniciado aos próprios medos e demônios internos. No primeiro caso, a coisa é mais dura para o menino, já que para a menina a passagem se dá naturalmente. Ela se torna mulher quer queira ou não, mas o menino, primeiro, tem de se separar da própria mãe, encontrar energia em si mesmo, e depois seguir em frente. É disso que trata o mito do "Jovem, vá em busca de seu pai". Na Odisséia, Telêmaco vive com a mãe. Quando completa vinte anos, Atena vem a ele e diz: "Vá em busca de seu pai". Este é o tema em todas as histórias. Às vezes é um pai místico, mas às vezes, como na Odisséia, é o pai físico.

O tema fundamental nos mitos é e sempre será a da busca espiritual. Vemos que nas vidas dos grandes Mestres espirituais da Humanidade sempre nascem lendas e mitos ligados a eles, figuras históricas reais. A história real de Jesus, por exemplo, parece representar uma proeza heróica universal. Primeiro, ele atinge o limite da consciência do seu tempo, quando vai à João Batista para ser batizado. Depois, ultrapassa o limiar e se isola no deserto, por quarenta dias. Na tradição judaica, o número 40 é mitologicamente significativo. Os filhos de Israel passaram quarenta anos no cativeiro, Jesus passou quarenta dias no deserto. No deserto, Jesus sofreu três tentações. Primeiro, a tentação econômica, quando o Diabo diz: "Você parece faminto, meu jovem! Por que não transformar estas pedras em pão?" Depois vem a tentação política. Jesus é levado ao topo da montanha, de onde avista as nações do mundo, e o Diabo diz: "Tudo isto te darei, se me adorares", que vem a ser uma lição, ainda não compreendida hoje, sobre o quanto custa ser um político bem-sucedido. Jesus recusa. Finalmente o Diabo diz: "Pois bem, já que você é tão espiritual, vamos ao topo do templo de Herodes e atira-te lá embaixo. Deus o acudirá e você não ficará sequer machucado". Isto é conhecido como enfatuação espiritual. Eu sou tão espiritual que estou acima das preocupações da carne e acima deste mundo. Mas Jesus é encarnado, não é? Então ele diz: "Você não tentará o senhor, teu Deus". Essas são as três tentações de Cristo, tão relevantes hoje quanto no ano 30 de nossa era.

O Buda, também, se dirige à floresta e lá entretêm conversações com os gurus da época. Então ultrapassa-os e, após um período de provações e de busca, chega à árvore boddhi, a árvore da iluminação, onde igualmente enfrenta três tentações (isso quinhentos anos antes de Cristo). A primeira tentação é a da luxúria, a segunda, a do medo e a terceira, a da submissão à opinião alheia. Na primeira tentação, o Senhor da Luxúria exibe suas três belíssimas filhas diante de Sidarta. Seus nomes são Desejo, Satisfação e Arrependimento - passado, presente e futuro. Mas o Buda, que já se havia libertado do apego a toda a sensualidade, não se comoveu.  Então o Senhor da Luxúria se transformou no senhor da Morte e lançou contra Sidarta, o Buda, todas as armas de um exército de monstros. Se Sidarta se apavorar, todas as armas se materializariam. Mas o Buda tinha encontrado em si mesmo aquele ponto imóvel, interior, o self, como diria Jung, que pertence à eternidade, intocado pelo tempo. Uma vez mais não se comoveu e as armas atiradas se transformaram em flores de reverência.Finalmente, o Senhor da Luxúria e da Morte se transformou no temível Senhor dos Deveres Sociais, e perguntou: "Meu jovem, você não leu os jornais da manhã de hoje? Não sabe o que há para ser feito?" A resposta do Buda foi simplesmente tocar o chão com as pontas dos dedos da sua mão direita. Então a voz da deusa-mãe/deus-pai do universo se fez ouvir no horizonte, dizendo: "Este aqui é meu filho amado, e já se doou de tal forma ao mundo que não há mais ninguém aqui a quem dar ordens. Desista dessa insensatez." Enquanto isso, o elefante, no qual estava o Senhor dos Deveres Sociais, curva-se em reverência ao Buda e toda a corte do Antagonista se dissolveu, como num sonho. Naquela noite, o Buda atingiu a iluminação e permaneceu no mundo, pelos cinqüenta anos seguintes, ensinando o caminho da extinção dos grilhões do egoísmo.

Pois bem, as duas primeiras tentações - a do desejo e a do medo – são as mesmas que Adão e Eva parecem ter experimentado, de acordo com o extraordinário quadro de Ticiano, concebido quando o pintor estava com noventa e quatro anos de idade. A árvore é o mitológico axis mundi, aquele ponto em que tempo e eternidade, movimento e repouso, são um só, e ao redor do qual revolvem todas as coisas. Ela aparece ali, representada apenas em seu aspecto temporal, como a árvore do conhecimento do bem e do mal, ganho e perda, desejo e medo. À direita está Eva, que vê o Tentador sob a forma de uma criança, oferecendo-lhe a maçã, e ela é movida pelo desejo. Adão, do lado oposto, vê os pés monstruosos do tentador ambicioso, e é movido pelo medo. Desejo e medo: eis as duas emoções pelas quais é governada toda a vida na terra. O desejo é a isca, a morte é o arpão.

Adão e Eva se deixaram tocar; o Buda, não. Adão e Eva deram origem à vida e foram estigmatizados por Deus; o Buda ensinou a libertar-se do medo de viver.

No filme de Geoge Lucas, Guerra nas Estrelas o vilão Darth Vader representa uma figura arquetípica. Ele é um monstro porque não desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele é um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos, como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir seus propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente? O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. E isso pode ser feito mantendo-se fiel aos próprios ideais, como Luke Skywalker no filme, rejeitando as exigências impessoais com que o sistema pressiona. Ainda que você seja bem sucedido na vida, pense um pouco: Que espécie de vida é essa? Que tipo de sucesso é esse que o obrigou a nunca mais fazer nada do que quis, em toda a sua vida? Vá aonde seu corpo e a sua alma desejam ir. Não deixem que escolham por você. Quando você sentir que encontrou um caminho, que é por ali, então mantenha-se firme no caminho que você escolheu, e não deixe ninguém desvia-lo dele.

Você poderá dizer: "isso é ótimo para a imaginação de um George Lucas ou para as teorias de um Joseph Campbell, mas não é o que acontece em minha vida".

Errado! Você pode apostar que acontece, sim - e se a pessoa não for capaz de reconhecê-lo, isso poderá transformá-lo num Darth Vader. Se o indivíduo insiste num determinado programa e não dá ouvidos ao próprio coração, corre o risco de um colapso esquizofrênico. Tal pessoa colocou-se a si mesma fora do centro, alistou-se num programa de vida que não é, em absoluto, aquilo em que o corpo está interessado. O mundo está cheio de pessoas que deixaram de ouvir a si mesmos, ou ouviram apenas os outros, sobre o que deviam fazer, como deviam se comportar e quais os valores segundo os quais deveriam viver. Mas qualquer um tem potencialidade para correr e salvar uma criança. Está no interior de cada um a capacidade de reconhecer os valores da vida, para além da preservação do corpo e das ocupações do dia-a-dia.

Os mitos estimulam a tomada de consciência da sua perfeição possível, a plenitude da sua força, a introdução da luz solar no mundo. Destruir monstros é destruir coisas sombrias. Os mitos o apanham, lá no fundo de você mesmo. Quando menino, você os encara de um modo. Mais tarde, os mitos lhe dizem mais e mais e muito mais. Quem quer que tenha trabalhado seriamente com idéias religiosas ou míticas sabe que, quando crianças, nós as aprendemos num certo nível, mas depois outros níveis se revelam. Os mitos estão muito perto do inconsciente coletivo, e por isso são infinitos na sua revelação.

Joseph Campbell
Não perca a leitura do livro:
O Poder do Mito, de Joseph Campbell, Editora Palas Athena, São Paulo,
1990.

As máscaras de Deus - extratos
As máscaras de Deus é uma das obras mais significativas e completas da visão de Joseph Campbell – das mitologias do mundo. Dividida em quatro volumes, apresenta de modo comparativo as raízes que deram origem a mitos, ritos e crenças que, por um lado outorgaram identidade a cada uma das culturas e, por outro, irmanam essas culturas nos seus princípios fundamentais.
Defensor da teoria difusionista, Campbell acompanha geográfica e historicamente o deslocamento de animais e povos em busca de espaços mais propícios, resultando disso sincretismos e superposições de crenças e mitos que confirmam a tese da unidade da raça humana, não apenas em termos biológicos, mas também na sua história espiritual.
O primeiro volume abordou o estudo dos povos primitivos e seus feitos. O segundo, as mitologias orientais no Egito, Índia, China, Tibet e Japão. O terceiro comparou temas que apareceram na arte, no rito e na literatura do mundo ocidental. E o quarto abordaria a mitologia criativa, isto é, com a esfera filosófica, espiritual e artística da cultura moderna, onde o homem é o criador da sua própria mitologia.

Porém, legou-me a tristeza de ser uma estudiosa simples e “monoglota”, portanto incapaz de ler o último volume- que a editora ainda não publicou e que aguardo ansiosamente. Posto aqui a conclusão (até onde alcancei) desta maravilhosa obra.
Amor (Cap.9 - IV)
O mito só é “revelação” enquanto sua mensagem do céu- quer dizer, do mundo atemporal e não-histórico- expressa não o que foi verdade uma vez, mas o que é verdade sempre. Dessa maneira, a Encarnação não tem nenhum efeito ou significado para os seres humanos que vivem hoje, se ela é mera história; é uma “verdade salvadora” apenas se é eterna, a revelação de um evento atemporal que é eternamente inerente ao homem.
(Allan Watts : Myth and Ritual in Christianity)
Uma das grandes lições do nosso estudo é que para a mente estreita ou mal orientada os mitos tendem a se tornar história. Disso resulta um tipo de fixação nos meros acidentes da formas locais que, por um lado, vincula os assim chamados fiéis em grupos rivais e, por outro, priva-os todos da essência da mensagem que cada um acredita ter sido o único a receber. (...) Porém, quando uma das grandes metáforas míticas é interpretada como poesia, como arte, como um veículo de experiência- encontramos uma mensagem de harmonia que, em resumo, é a do Deus vivo, que não está separado, mas é inerente a todos e que não tem definição. Deus nasce, como declarou Eckhart, “nasce na alma vazia, revelando-se a ela numa nova máscara sem máscara, sem luz na luz divina”.
(...)

Conclusão : No final de uma era
Alguns, talvez, queiram ainda curvar-se diante de uma máscara, por medo da natureza. Mas se não há divindade na natureza, a natureza que Deus criou, como poderia haver na idéia de Deus, que a natureza do homem criou?
“Por meu amor e minha esperança, eu te suplico”, gritou o Zaratustra de Nietzsche: “não expulsa o herói de tua alma!”


As Máscaras de Deus – Vol.1: Mitologia Primitiva:

 

“Sila ersinarsinivdluge”

“Como pode um homem saber como é a vida de uma mulher ?”, perguntou uma mulher abissínia , citada por Frobenius.

“ A vida de uma mulher é bem diferente da de um homem. Deus fez assim. Um homem é o mesmo, da época da circuncisão até o fim. É o mesmo antes de ter procurado por uma mulher pela primeira vez e depois. Mas, no dia em que a mulher goza de seu primeiro amor, ela é partida em duas. Torna-se outra mulher naquele dia. O homem depois do seu primeiro amor é o mesmo que foi antes. A mulher é, a partir do dia do seu primeiro amor, outra. E continua assim por toda a vida. O homem passa uma noite com a mulher e vai embora. Sua vida e seu corpo são sempre iguais. A mulher engravida. Como mãe ela é diferente da mulher sem filho. Ela carrega a marca daquela noite ao longo de nove meses em sua barriga. Algo cresce. Algo surge em sua vida, que jamais a deixa. Ela é mãe. Ela é e permanece mãe mesmo que seu filho morra, mesmo que todos os seus filhos morram. Porque, um dia, ela carregou o filho sob seu coração. E ele jamais sai do seu coração. Nem mesmo quando morre. E isso, o homem não sabe o que é. Ele não sabe nada. Ele não conhece a diferença entre antes e depois do amor, antes e depois da maternidade. Ele não sabe nada. Só a mulher pode saber e falar disso. É por isso que nossos maridos não nos podem dizer o que devemos fazer. A mulher só pode fazer uma coisa : respeitar a si mesma. Manter-se íntegra. Ela tem sempre que estar de acordo com sua natureza. Ela tem sempre que ser donzela e mãe. Antes de cada amor, ela é uma virgem, depois de cada amor, uma mãe. Nisso, pode-se ver se ela é uma mulher ou não.”
É certamente na interação e fertilização espiritual mútua dos sexos, não menos que nas lições aprendidas dos reinos animal, vegetal e celestial dos deuses, ou nas profundidades da experiência do transe xamanista, que se devem buscar as motivações das metamorfoses do mito.

Sofrimento e êxtase

(...) a tragédia grega era a inflexão poética da mitologia, a catarse trágica da emoção através da compaixão e do terror, o correspondente à purificação do espírito através do rito. A tragédia transmuta o sofrimento em êxtase. (...) Livre do vínculo com nossa parte mortal, através da contemplação daquilo que é grave e constante no sofrimento humano- o ser humano une-se simultaneamente , em compaixão trágica com o “sofredor humano” e em terror trágico com a “causa secreta”. Em consequência disso, um dia, com um grito de júbilo, o espírito pode saltar para aquilo que subitamente reconhece por trás da máscara. A tragédia dissolve-se e surge o mito.

“ Vossa face, a qual um jovem se esforçasse por imaginá-la, conceberia como a de um jovem ; um adulto, como a de um homem; um velho, como a de um velho. Quem poderia imaginar o mais verdadeiro e o mais adequado de todos os rostos- de todos e de cada um- como se não fosse de nenhum outro ? E como poderia ele imaginar , além de todos os conceitos, de todas as cores, adornos, e toda a beleza de todos os rostos ? Por conseguinte, aquele que avança para observar o Vosso rosto, enquanto ele formar qualquer conceito Dele, está longe de Vossa face. Porque todo conceito de face não alcança a Vossa face. E toda beleza que pode ser concebida é menor que a beleza de Vosso rosto; todas as faces tem beleza, mas nenhuma é a própria beleza, mas a Vossa face tem beleza e por ter beleza é ser. Ela é a forma que dá existência a cada forma bela. Em todos os rostos é visto o Rosto dos rostos, por trás de um véu e de um enigma.; não obstante desvelado, ele não é visto, até que acima de todas as faces um homem penetre em certo segredo e silêncio, onde não há nenhum conhecimento ou conceito de rosto. Esta névoa, nuvem, escuridão, revelará que Vossa face não pode ser encontrada a não ser velada; mas a própria escuridão revelará que vossa face está ali, além de todos os véus.”

(Nicolau de Cusa)

As Mascaras de Deus Vol 2 -  Mitologia Oriental:


Nirvana

“Tudo que é sujeito a causação”, disse o Buda a Maitreya- “é como uma miragem, um sonho,a lua vista na água, um eco; nem removível, nem existente por si. E a própria Roda da Lei é descrita nem como ´ela é ` nem como ´ela não é `. E tendo ouvido e recebido esta Lei com alegria, ide agora, felizes para sempre”. (...)

Assim, o Mahayana, “a grande (maha) barca (yana)” , é uma embarcação sobre a qual todos viajam- e, de fato, estão viajando- indo a lugar nenhum, já que todos estão extintos. É um passeio, um festival de júbilo. Ao passo que o Himayana, “a abandonada (hina) barca (yana)" , é uma embarcação diligente relativamente pequena, transportando apenas iogues através do redemoinho que eles desdenham, a caminho de absolutamente nenhum lugar !

A Era da Comparação

Quando os ousados navegadores do Ocidente, transportando em suas quilhas as sementes de uma nova era titânica, por volta de 1.500 d.C., aportavam ao longo das costas não apenas da América, mas também da Índia, e da China, floresciam no Velho Mundo as quatro civilizações desenvolvidas da Europa e do Levante, da Índia e do Extremo Oriente, cada uma com sua própria mitologia e considerando-se o único centro autorizado de espiritualidade e merecimento, sob o céu. Sabemos hoje que aquelas mitologias estão exauridas ou, pelo menos, ameaçadas de acabar : cada qual satisfeita de si dentro de seu próprio horizonte, dissolvendo-se, juntamente com seus deuses, em uma única ordem emergente de sociedade, em que, como Nietzsche em uma obra dedicada ao Espírito Livre, “as várias visões de mundo, costumes e culturas serão comparadas e vivenciadas lado a lado, de maneira impossível antes, quando a inclinação sempre regional de cada cultura estava de acordo com as raízes temporais e locais de seu próprio estilo artístico. Agora, finalmente, uma sensibilidade estética aguçada decidirá entre as muitas formas existentes que poderão ser comparadas- e se deixará morrer a maioria. Da mesma forma, está ocorrendo uma seleção entre as formas e costumes das moralidades superiores, cujo o fim só poderá ser a ruína dos sistemas inferiores. É uma era de comparações! Essa é sua glória- mas, mais justamente, também sua mágoa! Não tenhamos medo dessa mágoa.”

Das quatro direções, reuniram-se os quatro paradigmas: respectivamente, da razão humana e do indivíduo responsável, da revelação sobrenatural e da única verdadeira comunidade sob Deus, do êxtase ióguico na grande vacuidade imanente e da harmonia espontânea entre a ordem do céu e da terra – Prometeu, Jó, o Buda sentado, de olhos fechados, e o sábio errante, de olhos abertos.

E é hora de considerar cada um em sua puerilidade, bem como em sua majestade, de maneira bastante fria, sem indulgência ou desdém . Pois embora a Vida, como diz Nietzsche, “deseje ser iludida e viva da ilusão”, faz-se também necessário, em certas ocasiões, um momento de Verdade.”


As Mascaras de Deus Vol 3 -  Mitologia Ocidental:

O Cristo Ilusório

Permitam-me concluir esta breve observação dos mistérios da herança gnóstica uma segunda passagem dos Atos de João (...) É a afirmação mais iluminadora que nos resta da visão docética- ou como se poderia também de modo apropriado, visão Mahayana- do símbolo silencioso do crucifixo :
(...)
e assim,meus mui amados, tendo dançado conosco, o Mestre partiu. E como homens que se perdem ou estão entorpecidos de sono, nós perambulamos de um lado para o outro.
(...)
Com essas palavras ele mostrou-me uma cruz de luz, e em volta da cruz uma multidão indefinida. E naquela cruz de luz havia uma forma e uma aparência. E sobre a cruz eu vi o próprio Mestre e ele não tinha forma alguma, mas apenas voz. E uma voz doce e suave, verdadeiramente dizendo-me:
“João é necessário que haja um que ouça de mim essas coisas, pois tenho necessidade de alguém que as ouça. Esta cruz de luz é às vezes chamada por mim de Palavra, para seu benefício; é chamada às vezes de Mente; às vezes Jesus; às vezes Cristo; às vezes Porta; às vezes Caminho; às vezes Pão; às vezes Semente; às vezes Ressureição; às vezes Filho; às vezes Pai; às vezes Espírito; às vezes Vida; às vezes Verdade; às vezes Fé, às vezes Graça. Assim (ela) é para os homens. Mas o que é na verdade, como concebida em si mesma e expressa entre nós, é a delimitação de todas as coisas, e a firme elevação de coisas fixas surgidas de coisas instáveis, e a harmonia da sabedoria- da sabedoria que é harmonia.
(...)
Eu fui considerado ser o que não sou, não sendo o que era para muitos outros : o que eles dirão de mim é desprezível e não merecido por mim. Aqueles que nem vêem nem podem nomear o lugar do silêncio, muito menos poderão ver. (...) E se aqueles que você vê em torno da cruz não têm ainda uma forma particular, então todas as partes daquele que desceu ainda não se uniram. (...) Porque enquanto você não se chamar a si próprio de meu, eu não serei o que sou. Quando você me ouvir, porém, será um ouvinte como eu próprio. Por isso você é através de mim. (...) Permita-me, então, ficar com o que é meu, mas o que é seu, observe através de mim; e veja-me em minha essência, não pelo o que eu disse que era, mas como você, que é meu próximo, me conhece.
(...)
O que é, eu insinuo num enigma, pois sei que você compreenderá. Conheça-me, então, como o louvor da Palavra, a transfixação da Palavra, o sangue da Palavra, a ferida da Palavra, o pendurado da Palavra, o sofrimento da Palavra, a cravação da Palavra, a morte da Palavra. 
(...)
Primeiro, portanto, conheça a Palavra, a natureza interna, o significado. Então você conhecerá o Senhor."
(...)
Retive esta única coisa em mim mesmo (...).

Deuses e heróis do Levante

O mundo está repleto de mitos de origem e todos são falsos do ponto de vista dos fatos. O mundo está repleto, também, de grandes livros tradicionais que traçam a história do homem- desde a época dos princípios mitológicos, até uma época quase ao alcance da memória, quando as crônicas começam a registrar dados mostrando uma objetividade racional até o presente. Assim como todas as mitologias primitivas servem para validar os costumes, sistema de valores e objetivos políticos de seus respectivos grupos locais, assim também ocorrem com esses grandes livros tradicionais. Na superfície, parecem ter sido escritos como história conscienciosa. No fundo, revelam-se ter sido concebidos como mitos : interpretações poéticas do mistério da vida, de um certo ponto de vista.

Mas interpretar um poema como crônica da realidade é- para dizer o mínimo – perder o essencial. Para dizer um pouco mais, manifestar insensatez. Todavia, é preciso acrescentar que os homens que compilaram tais livros não eram ingênuos, mas sabiam exatamente o que estavam fazendo- conforme revela o seu método de trabalho em todas as ocasiões. (...)

Não pretendo entrar em discussões sobre a relevância dessa teoria específica quanto a esse poderoso ciclo lendário (...) Pretendo apenas observar, que dois tipos de mitologia têm que ser reconhecidos. A saber, um tipo em que toda a ênfase é colocada na historicidade dos episódios; e o outro, em que os episódios devem ser interpretados simbolicamente, sugerindo significados por meio de e além de si mesmos. (...)

Saber com precisão que elementos da lenda Patriarcal derivam de ocorrências factuais do segundo milênio a.C. e quais procedem das criativas plumas sacerdotais do primeiro milênio a.C., permanece- e permanecerá talvez para todo o sempre- como uma pergunta para a qual toda a resposta será sintomática da mente do indivíduo que a responde, do que da Verdade, seja histórica ou de Deus.

As Mascaras de Deus Vol 4 -  Mitologia Criativa:


As Máscaras de Deus

MITOLOGIA CRIATIVA (VOLUME 4)
PARTE I- A ANTIGA VIDEIRA
Cap. I- Experiência e autoridade
1)- Simbolização criativa
Nos volumes anteriores deste estudo sobre as transformações históricas daquelas formas imaginárias que chamo de “máscaras” de Deus (...) os mitos e ritos dos antigos mundos primitivo, oriental e ocidental (...)

(...) em nossa cultura ocidental recente (metade do sec. XII) uma crescente desintegração vem desmantelando a tradição ortodoxa (...). Com seu declínio irromperam as forças criativas liberadas por um grande grupo de destacados indivíduos, de maneira que (...) uma galáxia de mitologias (...).

(...) um tipo totalmente novo de revelação não-teológica, de grande alcance, profundidade e infinita variedade tornou-se o verdadeiro guia espiritual e força estruturante de uma civilização.

No contexto de uma mitologia tradicional os símbolos apresentam-se em ritos socialmente preservados (...) No que chamo “mitologia criativa” – essa ordem se inverte. O indivíduo tem uma experiência própria- de ordem, horror, beleza- que procura transmitir mediante sinais; e se sua vivência teve alguma profundidade e significado , sua comunicação terá o valor e a força de um mito vivo.

A primeira função da mitologia é reconciliar nossa consciência que desperta com o mysterium tremendum et fascinans deste Universo como ele é. A segunda é apresentar uma imagem interpretativa total do mesmo (...) é a revelação para a consciência dos poderes da sua própria fonte mantenedora. A terceira função, entretanto, é a imposição de uma ordem moral (...). A quarta função (mais crítica e vital) é auxiliar o indivíduo a encontrar seu centro e desenvolver-se integralmente em consonância (...) consigo, cultura, Universo e com aquele terrível e último mistério que está tanto fora, como dentro de si mesmo e de todas as coisas.

A mitologia criativa (...) “para mostrar à virtude a sua própria expressão; ao ridículo a sua própria imagem e a cada época e geração a sua própria esfígie. (...) provém da intuição sentimentos, pensamentos e visão de um indivíduo leal à sua própria experiência e valores. Dessa maneira ela reorienta a autoridade mantendo as formas que produziram e deixaram para trás vidas já vividas. Renovando o ato da própria experiência, resgata para a existência a qualidade de aventura, a uma só vez , descobrindo e reintegrando o estabelecido, o já conhecido, no fogo criativo desse algo em gestação constante, que não é senão a vida, (...) mas como ela é , em profundidade, em processo aqui e agora, dentro e fora.

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As Máscaras de Deus – Vol.1: Mitologia Primitiva

Joseph Campbell surpreende nas formas com que aborda o tema da gênese da religiosidade humana em As Máscaras de Deus: Mitologia Primitiva. Este primeiro livro da tetralogia As Máscaras de Deus engloba as relações do ser humano com o divino e a mística desde o surgimento de uma visão não-material humana, ainda no Paleolítico, donde esboça as concepções mitológicas desde os idos de 600 mil a.C., até as concepções xamânicas do Neolítico Superior. 

O que mais espanta na forma como Joseph Campbell trata da temática é a estreita relação que ele faz entre homens e diversos outros animais – e aqui é impossível não se reportar ao livro de Desmond Morris, O Macaco Nu, onde este autor, ao final do livro, nos faz firmemente reconsiderar nossa posição de animal primata dominante. 

Com incursões que vão da antropologia convencional à, infelizmente já em desuso, Psicologia Fisiológica, ele aborda as maneiras como o ser humano toma seus primeiros contatos com o mundo, comparando-nos a várias realidades e práticas – por que não dizer – cognoscentes existentes no resto do mundo animal. A partir daí ele procura postular as condições que configuram nossa herança animista e os primórdios mesmos do germe de toda a rede de valores de a nossa sociedade. 

Na segunda parte do livro, ele entra na discussão dos povos do protoneolítico levando suas inferências à uma formação rudimentar de Estado – ou melhor, de estratificação social. Aborda a dimensão do divino – que se configura, então, principalmente na concepção da Deusa-Mãe – estreitamente vinculada aos ritos do par dicotômico fecundidade-morte. 

Daí passa a analise do universo dos xamãs das cavernas paleolíticas e da organização sociopolítica ao redor da figura do caçador e à concepção de um mundo além da vida. Fala, ainda, das diferenças comparativas às concepções míticas dos representantes de civersas eras do desenvolvimento humano, desde os primórdios neolíticos até a estruturação das primeiras sociedades proto-históricas, como a Suméria e a Acádia.

Joseph Campbell

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Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Joseph John Campbell, (White Plains, 26 de março de 1904  Honolulu, 30 de outubro de 1987) foi um estudioso norte-americano de mitologia e religião comparativa.

Índice

·         1 Vida
o    1.2 Europa
o    1.5 Morte
·         2 Trabalhos selecionados
·         3 Ligações externas

 

Vida

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Infância e educação

Joseph Campbell nasceu em 26 de março de 1904 e cresceu em White Plains, Nova Iorque, numa família de classe média alta e de religião católica romana. Quando criança, era fascinado pela cultura nativa americana depois de seu pai o levar para ver as coleções do Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, onde ele viu um quadro contendo as coleções dos artefatos dos índios nativos americanos. Ele logo tornou-se especialista nos vários aspectos da sociedade nativa americana. Isso conduziu Campbell a uma vida dedicada ao mito e ao estudo e mapeamento das semelhanças que aparentemente existiam entre as mitologias das mais diversas culturas humanas. 

Ele encerrou o colegial no Canterbury School (Connecticut) em 1921. Na Faculdade de Dartmouth, chegou a estudar biologia e matemática, mas decidiu-se pelos estudos na área de humanas. Transferiu-se para a Universidade de Columbia, onde completou sua graduação em Literatura inglesa em 1925 e o mestrado em Literatura medieval em 1927. Campbell também foi um atleta bem sucedido, recebendo prêmios em competições de atletismo.

Europa

Em 1927, Campbell recebeu uma bolsa de estudos para estudar na Europa. Campbell estudou Francês antigo e Sânscrito na Universidade de Paris e na Universidade de Munique. Ele logo aprendeu a ler e falar em Francês e Alemão, dominando-as em apenas alguns meses de estudo. Manteve-se fluente em ambas as línguas pelo resto de sua vida.
Durante a sua estada na Europa, Campbell foi altamente influenciado pelo período da Geração Perdida, momento de enorme inovação artística e intelectual. Campbell comentou sobre a sua influência, especialmente de James Joyce, no livro A Jornada do Herói: Joseph Campbell, sua Vida e Obra (1928, tradução livre):
CAMPBELL: E o que aconteceu é que James Joyce mexeu comigo. Você sabe, aquela maravilhosa vivência em um reino de significativa fantasia, que é a irlandesa, está lá nos romances do Rei Artur, está em Joyce e está na minha vida.
COUSINEAU: Você achou que se identificava com Stephen Dedalus..., no romance de Joyce Retrato do Artista quando Jovem?
CAMPBELL: Seu problema era o meu problema, exatamente... Joyce ajudou a me libertar para uma compreensão do sentido universal desses símbolos. Joyce libertou a si mesmo e deixou o labirinto, digamos assim, da política irlandesa e da igreja e foi para Londres, onde tornou-se um dos mais importantes membros desse maravilhoso movimento que ocorreu em Paris no período em que estive lá, nos anos 20.

Foi nessa atmosfera que Campbell conheceu o trabalho de Thomas Mann, que acabou influenciando tanto a sua vida quanto as suas idéias. Também na Europa, Campbell conheceu a arte moderna, entusiasmando-se particularmente pelo trabalho de Paul Klee e Pablo Picasso. Ele também descobriu os trabalhos de Sigmund Freud e Carl Jung. Também foi nessa época que ele conheceu e tornou-se amigo do jovem Jiddu Krishnamurti, uma amizade que surgiu pelo interesse por filosofia e mitologia hindu. Além disso, após a morte do pesquisador Heinrich Zimmer, Campbell recebeu a tarefa de editar e publicar postumamente os artigos de Zimmer.

Retorno aos Estados Unidos e a Grande Depressão

No seu retorno aos Estados Unidos em 1929, Campbell anunciou à sua faculdade em Columbia que sua estada na Europa havia ampliado seus interesses, e que ele gostaria de estudar Sânscrito e Arte moderna, além da Literatura medieval. Como seus orientadores não aprovaram sua decisão, Campbell resolveu abandonar seus planos de completar o doutorado e nunca mais retornou a um programa tradicional acadêmico.
Algumas semanas depois, iniciou-se a Grande Depressão. Campbell gastou os cinco anos seguintes da sua vida (1929-1934) em um período de intenso estudo independente. Conforme afirma no livro A Jornada do Herói: Joseph Campbell, sua Vida e Obra, Campbell dividia seu dia em quatro períodos de quatro horas. Em cada um dos períodos, fazia leituras por três horas seguidas e descansava por uma hora.
Ele também passou um ano na Califórnia (1931-32), mantendo seus estudos independentes e tornando-se amigo do escritor John Steinbeck e da esposa dele, Carol. Campbell manteve ainda suas leituras independentes enquanto lecionava, durante o ano de 1933, na Escola de Canterbury. Durante esse tempo, tentou publicar alguns trabalhos de ficção.
Os estudos independentes de Campbell levaram-no a uma análise profunda das ideias do psicólogo suíço Carl Jung, colega e contemporâneo de Sigmund Freud. Campbel editou os primeiros artigos da Eranos e ajudou a fundar a Bollingen Press da Universidade de Princeton. Outro membro dissidente do círculo de Freud que influenciou Campbell foi Wilhelm Stekel (1868-1939). Stekel foi pioneiro na aplicação das ideias de Freud sobre sonhos, fantasias humanas e o inconsciente em campos como antropologia e literatura.

 

Sarah Lawrence College

Em 1934, Campbell foi indicado como professor na Sarah Lawrence College (graças aos esforços de seu antigo orientador W. W. Laurence). Campbell casou-se com uma de suas antigas alunas, a dançarina e instrutora de dança Jean Erdman em 1938. Ele aposentou-se na Sarah Lawrence College em 1972, depois de lecionar ali por 38 anos.

 

 

Morte

Joseph Campbell faleceu aos 83 anos em 30 de outubro de 1987, em sua casa em Honolulu, Havaí, devido a complicações causadas por um câncer esofágico, pouco depois de completar a filmagem do documentário O Poder do Mito, com Bill Moyers.

 

Trabalhos selecionados

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James Joyce e os primeiros trabalhos

Como se nota acima, James Joyce foi uma importante influência em Campbell. O primeiro livro importante de Campbell (com Henry Morton Robinson), A Skeleton Key to Finnegans Wake (1944), é uma análise crítica do último texto de Joyce, Finnegans Wake. Além disso, o produtivo trabalho de Campbell, O Herói de Mil Faces, discute o que Campbell chama de monomito — o ciclo da jornada do herói, uma idéia que ele atribui diretamente ao trabalho de Joyce, Finnegans Wake.

 

As Máscaras de Deus

Seu exaustivo trabalho de quatro volumes As Máscaras de Deus cobre a mitologia através do mundo, da mitologia antiga à moderna. Enquanto que O Herói de Mil Faces foca nas ideias elementares da mitologia, As Máscaras de Deus foca nas variações históricas e culturais do monomito. Em outras palavras, enquanto que O Herói de Mil Faces baseia-se principalmente na psicologia, As Máscaras de Deus baseia-se mais na antropologia e história. Os quatro volumes da coleção são: Mitologia Primitiva, Mitologia Ocidental, Mitologia Oriental e Mitologia Criativa.

 

Ligações externas

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§  Joseph Campbell Foundation. Sítio oficial da Fundação Joseph Campbell, em inglês, acessado em 25 de março de 2006.
§  Fórum em Português JCF. Fórum em Português do sítio Oficial da Fundação Joseph Campbell.

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