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| 14:01
25/06/2010
Venício Lima: Liberdade de expressão foi apropriada pela imprensa
Foi lançado na última segunda-feira (21/06) em São Paulo, num evento realizado em parceria pela Publisher Brasil e pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o mais novo livro do jornalista e sociólogo Venício A. de Lima, colaborador permanente da Carta Maior. A obra, intitulada "Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa - Direito à Comunicação e Democracia", se propõe a discutir uma das questões mais polêmicas do atual debate público das comunicações: as diferenças entre esses dois conceitos.
Propositalmente igualados pelos donos da mídia, tendo como consequência a dominação da liberdade de expressão do conjunto das sociedades pelos meios de comunicação de massa, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, como mostra o livro de Venício Lima, tratam de direitos diversos. Enquanto a primeira se refere à liberdade individual e ao direito humano fundamental da palavra, a segunda se refere à liberdade de empresas comerciais - a imprensa ou a mídia - de tornar público o conteúdo que consideram "informação jornalística" e entretenimento.
"Ao longo da história, no entanto, a liberdade individual foi sendo apropriada por esta instituição que conhecemos como imprensa", explicou o autor durante o lançamento em São Paulo, marcado por um debate que contou ainda com a presença de Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e autor do prefácio do livro, e dos jornalistas Mino Carta, Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.
"Em textos históricos sobre o tema, há uma diferença óbvia entre três palavras que não foi preservada em suas traduções: press (imprensa), print (impressão) e speech (fala). Desde a Declaração de Virgínia, no século XVIII, até a declaração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em outubro de 2000, há referência explícitas a liberdades diferentes. O próprio artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos explicita que não há nada que permita que esta liberdade individual possa ser transferida para grupos de mídia, o que foi feito inclusive em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal", disse Lima, citando os julgamentos que terminaram por revogar integralmente a Lei de Imprensa e extinguir a obrigatoriedade do diploma universitário específico para o exercício do jornalismo.
Neste resgate histórico, Venício A. de Lima lembra que, em 1644, o texto "Areopagitica", de John Milton, um clássico da liberdade de imprensa, defendia, na verdade, a liberdade individual de "print" - num contexto em que "imprimir" não tinha nada a ver com a imprensa que existe hoje. Idem para os textos do século XVIII. "O que se chamava de liberdade de impressão não poderia se referir à impressão da revista VEJA, por exemplo, no século XXI", afirmou.
"Giovanni Sartori , cientista político de referência no pensamento liberal, fala que não é possível discutir liberdade de imprensa na democracia a menos que haja competição no mercado; a Constituição Federal de 1988, no artigo 220, lembra que os meios de comunicação não podem ser objetos de monopólio; a CIDH fala explicitamente que o mercado democratizado é condição para discutir liberdade de imprensa na democracia. Este é o ponto de partida, o que está muito distante do nosso caso", analisa.
Aconteceu, portanto, ao longo dos séculos, o que o professor Fábio Konder Comparato caracterizou como uma das qualidades da burguesia: a capacidade de se utilizar da anfibologia para dominar o mercado e o Estado. Anfibologia quer dizer ambiguidade. Na lógica aristotélica, designa uma falácia baseada no dúbio sentido, proposital ou inconsciente, que acaba por distorcer o raciocínio lógico e torná-lo obscuro. Para Comparato, repetiu-se com o conceito de "liberdade de expressão" aquilo que já havia sido feito com o conceito de "propriedade".
"Estas são duas palavras que historicamente representam momentos decisivos da ascensão da burguesia como classe dominante. No final do século XVIII, uma das reivindicações mais fortes do povo era o reconhecimento do direito de propriedade privada, como garantia a um mínimo de vida digna. Mas chega um momento de grande concentração da propriedade em que usam-se as mesmas normas e princípios jurídicos de respeito à dignidade humana para defender a grande propriedade. Mas enquanto a pequena propriedade precisa ser garantida, a grande precisa ser controlada, como qualquer grande poder, senão acaba em dominação absoluta. A mesma coisa aconteceu com a liberdade de expressão", explicou.
Até as revoluções do final do século XVIII, a possibilidade de imprimir era vedada. Foi quando se percebeu que a liberdade de impressão exercia um papel importante de controle do poder e, portanto, deveria ser garantida. A partir do século XIX, no entanto, começa um movimento de criação do monopólio empresarial, na imprensa e, depois, na radiodifusão.
"E aí houve uma virada de 180 graus, porque a liberdade de expressão desapareceu e continuou-se a usar este termo, assim como aconteceu com "propriedade". Hoje, chegamos a um ponto em que a liberdade definida como falta de controle é fundamental para a permanência da dominação absoluta dos empresários sobre o povo", concluiu Comparato.
O exemplo mais claro da radicalidade dos grandes meios de comunicação no combate a este controle, dentro da lógica de confundir a opinião pública acerca dos conceitos de liberdade de expressão e de imprensa, é a interdição do debate sobre mecanismos de participação popular e controle social da mídia. A Constituição de 1988 prevê formas de participação da sociedade no controle das atividades relacionada à administração das áreas ligadas aos direitos sociais, como educação, saúde e cultura.
"A comunicação é mais uma dessas áreas. Portanto, o controle social deveria ser garantido. O problema é que a grande mídia satanizou a expressão e o próprio governo entrou no jogo. Tanto que o tema foi proibido na 1a Conferência Nacional de Comunicação. O controle social é uma forma da sociedade avaliar e participar de um serviço e interferir na formulação das políticas públicas de uma área que interfere na vida de todos, como todas as outras. Nas sociedades liberais democráticas, que servem inclusive de referência para os proprietários de mídia no debate sobre liberdade de imprensa, isso ocorre sem nenhum problema", acrescentou Venício.
Para o autor, existe entre nós uma interdição não declarada a esse tema, cuja mera lembrança sempre provoca rotulações de autoritarismo e de retorno à censura. "Mesmo levando-se em conta o trauma ainda recente do regime militar, esse é dos muitos paradoxos históricos dos liberais brasileiros que nem sempre praticam o que afirmam defender", diz no livro.
Liberdade de expressão x liberdade de imprensa. Entrevista com Venício Lima
O doutor em Comunicação, Venício Lima, acaba de lançar o livro Liberdade de expressão vs. liberdade de imprensa – Direito à comunicação e democracia (São Paulo: Editora Publisher Brasil, 2010). E, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line, por telefone, ele nos fala sobre as diferenças entre essas duas questões que fazem parte dos principais debates e anseios da comunicação do Brasil. Ele também reflete sobre o processo de democratização dos meios de comunicação e como a Internet se insere nessa problemática. “Eu tenho não só esperança, mas expectativa de que a Internet consiga quebrar a unidirecionalidade que a mídia tradicional confere a limitação ao direito de expressão, porque ela impossibilita a expressão não só de várias opiniões, como permite uma riqueza da diversidade cultural, artística e jornalística criativa que existe no país”, disse ele.
Venício Artur de Lima é sociólogo, graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais. É mestre em Advertising pela University of Illinois, onde também realizou o doutorado em Comunicação e o primeiro pós-doutorado. Também é pós-doutor pela Miami University. É professor aposentado pela Universidade de Brasília (UnB).
IHU On-Line – Quais as principais diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa?
Venício Lima – O livro Liberdade de expressão x liberdade de imprensa é uma coletânea de textos, cuja tentativa é exatamente servir de instrumento para fazer essa discussão sobre essas duas questões. A liberdade de expressão é um direito individual, básico e fundamental, vinculado à pessoa, ao jeito da fala, da expressão do pensamento etc. A liberdade de imprensa, muitas vezes, é confundida com a liberdade de imprimir, que surgiu num período que não havia nada parecido com o que chamamos de imprensa hoje. Nos documentos que falam sobre essa liberdade, há sempre uma distinção entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa. O que, originalmente, era tido como imprimir manifestações individuais de pensamentos foi se transformando em liberdade de imprensa em função do surgimento de jornais e a transformação destes em grandes conglomerados, como as corporações que temos hoje.
E isso foi se afastando cada vez mais da liberdade de expressão original, individual, do direito à fala. No entanto, os grandes grupos de mídia continuam fazendo uma equação entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa que não se justifica. Só faria sentido na medida em que a liberdade de imprensa contemplasse o direito à comunicação que é direto de cada um, individualmente, de se expressar através de qualquer meio, inclusive destas instituições que se transformaram em empresas comerciais.
IHU On-Line – Os grandes conglomerados de comunicação se apresentam, politicamente, contra uma democratização dos meios de comunicação. De que forma um processo de democratização desestabilizaria o sistema atual?
Venício Lima – Precisamos “clarear” essa questão da democratização da comunicação, porque, pelo menos para mim, quando falamos sobre nisso eu entendo que estejamos nos referindo a uma democratização do mercado de mídia. No livro, eu faço a discussão entre a liberdade de expressão e liberdade de imprensa dentro dos parâmetros liberais. Assim, cito Giovanni Sartori, que é um ítalo-americano conhecido, que tem muita autoridade dentro do campo do liberalismo. Ele fala que uma das condições para a democracia é um sistema de mídia policêntrico, que não haja concentração da propriedade, e que o mercado de mídia expresse e contemple, dando a possibilidade de expressão, as diferentes opiniões que existem na sociedade.
Assim, quando falamos de democratização da comunicação, eu entendo que estejamos tratando de uma regulação de mercado, tal como existe em outras áreas de atividade econômica. Por exemplo, a discussão sobre isso, em países como os EUA, se deu por iniciativa dos próprios empresários no início da década de 1940. Formaram uma comissão em que se chegou à conclusão que não era possível falar no tal livre mercado de ideias, porque ele não existia. O mercado das empresas de mídia, como o mercado das outras empresas, era concentrado. Então, a saída que se encontrou foi trazer esse mercado para dentro da própria mídia e falar da pluralidade, da diversidade de opiniões dentro de cada veículo.
No caso brasileiro, temos um mercado historicamente concentrado, e não temos nenhum controle sobre a propriedade cruzada da mídia. A nossa grande mídia é representada por poucas empresas, muitas delas familiares com vínculo com as oligarquias políticas tradicionais, heranças ainda do tempo da República Velha.
Agora, outra coisa completamente diferente é o direito à comunicação. Essa, penso eu, é a bandeira que nós devemos ter para efeito de democratização da comunicação. Porque o direito à comunicação inclui não só o direito à informação, mas também o direito à expressão, quer dizer, nós como indivíduos, cidadãos, você e eu, temos direito a uma informação livre e correta, mas também temos o direito fundamental, básico e humano de nos expressar.
Uma coisa é democratizar o mercado, outra coisa é garantir a expressão, o direito de resposta como um direito difuso. Precisamos assegurar a expressão de grupos organizados e até mesmo de indivíduos dependendo das circunstâncias de acesso a estes meios, que hoje são os meios que reivindicam para si uma liberdade que é a liberdade de expressão individual e não a liberdade de grandes grupos empresariais.
IHU On-Line – A Internet pode ser dominada também por esses grandes conglomerados?
Venício Lima – Muitas pessoas acham que a Internet é, por natureza, democratizadora da comunicação, porque ela abre a possibilidade de qualquer indivíduo colocar seu ponto de vista em um espaço potencialmente público. Agora, existem também as possibilidades de regulação e controle de entrada deste espaço. No mundo contemporâneo, alguns países fazem isso como política de estado e impedem ou o acesso direto à Internet ou a chegada de Internet por meio de controle específico.
No nosso caso, não há esse tipo de controle ou barreira. Com a impressionante penetração e crescimento, nestes últimos anos, da Internet, já somos por volta de 65 milhões de usuários no país. Com isso, há toda a possibilidade aberta pela universalização da banda larga. Ela ainda, apesar de tudo isso, é um recurso relativamente limitado por barreiras históricas de igualdade social, níveis de renda, preço e acesso de equipamentos. Nós estamos em um acelerado processo de universalização destes instrumentos. Eu tenho não só esperança, mas expectativa de que a internet consiga quebrar a unidirecionalidade que a mídia tradicional confere a limitação ao direito de expressão, porque ela possibilita a expressão não só de várias opiniões, como permite uma riqueza da diversidade cultural, artística e jornalística criativa que existe no país.
IHU On-Line – A Conferência Nacional de Comunicação foi um avanço para a luta pela democratização dos meios?
Venício Lima – A conferência foi sim um avanço na medida em que ela aconteceu e provocou, praticamente em todo o país, a mobilização de pessoas, de grupos, de instituições e entidades interessadas neste debate. Apesar de boicotada pela grande mídia, ela pautou a discussão sobre o sistema brasileiro de mídia, as normas constitucionais nesta área, a regulação etc. Ela foi uma conferência propositiva e não tinha, e nem era pra ter, capacidade ou autoridade de deliberação.
No final, ela aprovou de diferentes formas uma série de propostas. Agora, para se transformarem em normas, essas propostas têm que, no que for possível, ser encampadas pelo Poder Executivo. Elas não podem se transformar em projetos para tramitarem no Congresso nacional. Boa parte dessas propostas diz respeito a normas que já estão na Constituição de 1988, mas que não foram regulamentadas. Precisamos colocá-las em prática e possibilitar o cumprimento de normas que já estão na constituição. Porém, ocorridos cinco meses do final da conferência, que eu saiba, nada aconteceu. Nós corremos o risco de termos feito essa conferência e, ainda assim, não termos nenhum resultado normativo concreto.
IHU On-Line – Aqui no Brasil, em sua opinião, o poder da própria mídia se iguala e supera o poder do Estado?
Venício Lima – Eu tenho certeza. O voto que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, deu quando ele, como relator, ajudou a acabar com a obrigatoriedade do diploma do jornalista, ele cita, e naturalmente cita encampando a posição a autores alemães e autores portugueses, que o poder da mídia, em muitos casos, suplanta o poder do próprio Estado. Então não sou só eu, até Gilmar Mendes acha isso.
(Ecodebate, 17/06/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Minha opinião sobre o assunto (Claudio Estevam Próspero):
Eu tenho procurado entender a diferença entre Liberdade de Expressão e Liberdade de Imprensa objeto de um livro [1], que devo receber em breve, cujo autor é o escritor desta série de artigos. Ontem mesmo ouvi entrevista do candidato à vice-presidente, na chapa da Dilma, Michel Temer, dizendo que o PMDB retirará o controle social da mídia do programa comum, por ser contra a Liberdade de Expressão, garantida pela Constituição.
Eu, por enquanto - preciso estudar e refletir melhor sobre o assunto - concordo que as concessões feitas à políticos, durante o período da Ditadura - e não referendadas pelo Estado Democrático de Direito - devem sofrer alguma forma de revisão e diversificação de posições representadas, passando pelos representantes populares.
Também entendo que deve ser garantida uma diversidade de pontos de vistas nas redações e menor interferência dos proprietários e anunciantes - geralmente governos e grandes empresas - fora dos espaços editoriais e de propaganda, garantindo assim a Liberdade de Expressão da Sociedade, através dos profissionais do jornalismo. Até para que seja preservada a Credibilidade de cada Meio de Comunicação Social, tão afetados, não só aqui no Brasil, pelas restrições ao exercício da atividade dos jornalistas e cronistas.
Apreciaria muito conhecer seus pontos de vista sobre o assunto, auxiliando-me a observar e refletir melhor sobre este assunto.
Um grande abraço.
Claudio
[1]Liberdade de expressão x Liberdade de imprensa
O prefácio da obra é do professor e jurista
Fabio Konder Comparato, que destaca num
dado momento do seu texto que “no sistema
capitalista a liberdade de imprensa foi transformada
em liberdade de empresa”.
Baseado em 23 artigos que abordam aspectos
diferentes da relação entre liberdade
de expressão e liberdade de imprensa, o livro
tem cinco capítulos que foram organizados em
torno de subtemas específicos: “O ensinamento
dos clássicos”, “O ponto de vista dos empresários”,
“A posição das ONGs”, “Questões
em Debate”, e “As Decisões Judiciais”.
Fabio Konder Comparato, que destaca num
dado momento do seu texto que “no sistema
capitalista a liberdade de imprensa foi transformada
em liberdade de empresa”.
Baseado em 23 artigos que abordam aspectos
diferentes da relação entre liberdade
de expressão e liberdade de imprensa, o livro
tem cinco capítulos que foram organizados em
torno de subtemas específicos: “O ensinamento
dos clássicos”, “O ponto de vista dos empresários”,
“A posição das ONGs”, “Questões
em Debate”, e “As Decisões Judiciais”.
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